Arte by *Vincent van Gogh*
Hinos à Noite
..."Outrora, quando vertia lágrimas amargas, quando,
diluída na dor, a minha esperança se desfez e eu me encontrava sozinho sobre o
estéril montículo que encerra em negro e estreito espaço a imagem da minha vida
- só, como jamais alguém esteve, impelido por um medo indizível - inerme, tão
somente com um único pensamento ainda, o da carência. - Quando olhava em meu
redor em busca de auxílio, sem que pudesse avançar nem recuar, preso por uma
saudade infinita a essa vida extinta e fugidia: - eis que da distância azulada
- dos altos cumes da minha antiga bem-aventurança, veio um frêmito de
crepúsculo - e de súbito romperam-se os vínculos do nascimento - a cadeia da
Luz. Para longe de mim se voltou o curso do esplendor terreno e, com ele, o meu
luto - e também a melancolia fluiu para um novo mundo, infundamentado - e tu,
exaltação noturna, torpor do Céu, vieste sobre mim - todo o lugar se elevou no
ar mansamente; e sobre o lugar pairou o meu espírito, desvinculado, de novo
nascituro. Em nuvem de poeira se converteu o montículo de terra - e através das
nuvens vi a fisionomia gloriosa da Amada. Nos seus olhos repousava a eternidade
- prendi-lhe as mãos, e as lágrimas eram um laço cintilante, irrompível. Milênios perpassaram a caminho dos longes como intempéries. Suspenso do seu
colo, chorei lágrimas de deleite pela nova vida. - Foi esse o primeiro e único
sonho - e somente desde então tenho uma fé eterna e imutável, no Céu da Noite,
na sua luz, a Amada."
"Sei agora quando será a manhã derradeira - quando a
luz não afugentar mais a noite e o Amor – quando o sono for eterno e um sonho
só inesgotável. Sinto em mim uma fadiga celeste – Longa e penosa foi a minha
peregrinação ao Sepulcro Santo, opressiva a minha Cruz. A onda de Cristal,
imperceptível aos vulgares sentidos, que jorra no seio obscuro do montículo de
cujo sopé o terrestre caudal irrompe, quem dela alguma vez provou, quem esteve
no cume das montanhas que delimitam o mundo e olhou para Além, para a nova
terra, a morada da Noite – em verdade, esse não regressará jamais aos trabalhos
deste mundo, à terra onde a Luz habita em eterna agitação.Esse é o que
levantará no alto as tendas da Paz, o que sente a ânsia e o amor e que olha
para Além até que a hora entre todas bendita o faça descer ao imo da nascente –
por cima, flutua o que é eterno, reflui ao sabor de tormentas; mas tudo aquilo
que o contacto do amor santificou escorre dissolvido, por ocultas vias, para a
região do Além e aí se mistura, como os aromas, com os seres amados para sempre
adormecidos.(…)
Georg Philipp Friedrich von Hardenberg, Freiherr von Hardenberg
*Novalis*
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