"Todo jardim começa com um sonho de amor. Antes que qualquer árvore seja plantada, ou qualquer lago seja construído é preciso que as árvores e os lagos tenham nascido dentro da alma. Quem não tem jardim por dentro, não planta jardim por fora. E nem passeia neles".Rubem Alves

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Fiódor Mikhailovich Dostoiévski

_Ilya_Glazunov_-_Portrait_of_Dostoevsky__Paris__1968



Para W. Vaccari:

"Sou doente... Sou ruim. Não tenho atrativos. Sofro do fígado, acho. Não entendo lhufas da minha doença e não sei com certeza o que me dói. Não me trato, nunca me tratei, mas respeito médicos e a medicina. E sou supersticioso ao extremo; o bastante para respeitar a medicina. (Tenho instrução suficiente para não ser supersticioso, mas sou.) Não, senhores, se não quero me tratar é de raiva. Isso os senhores provavelmente não compreendem. Que assim seja, mas eu compreendo."
in 'Memórias do Subsolo'


"Na minha opinião, se o diabo não existe, e sim terá sido criação do homem, 
este o criou a sua imagem e semelhança."
in 'Os Irmãos Karamazov'


"O ser humano é tão apaixonado pelo sistema e pela conclusão abstrata, que é capaz de fazer-se de cego e surdo somente para justificar sua lógica."
 in 'Memórias do Subsolo'


Há no povo uma dor silenciosa e paciente; entra em si mesma e se cala. Mas há outra que se expõe: manifesta-se por lágrimas e se expande em lamentações. Não é mais ligeira que a dor silenciosa. As lamentações só se acalmam, roendo e dilacerado o coração. Semelhante dor não quer consolações, repasta-se com a idéia de ser extinguível. As lamentações são apenas a necessidade de irritar cada vez mais a ferida."
in 'Os Irmãos Karamazov'


"O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. 
As gaiolas são o lugar  onde as certezas moram."
in 'Os Irmãos Karamazov'

"O céu estava tão cheio de estrelas, tão luminoso, que quem erguesse os olhos para ele se veria forçado a perguntar a si mesmo: será possível que sob um céu assim possam viver homens irritados e caprichosos?"
 in 'Noites Brancas'

"Destruindo-se nos homens a fé em sua imortalidade, neles se exaure de imediato não só o amor como também toda e qualquer força para que continue a vida no mundo. E mais: então não haverá nada amoral, tudo será permitido, até a antropofagia."
  in 'Os Irmãos Karamazov'


“A verdadeira dor, a que nos faz sofrer profundamente, às vezes torna sério e constante até um homem que não reflete; o espírito pobre se torna mais inteligente após uma dor.”


"Existem nas recordações de todo homem coisas que ele só revela aos seus amigos. Há outras que não revela mesmo aos amigos, mas apenas a si próprio, e assim mesmo em grande segredo. Mas também há, finalmente, coisas que o homem tem medo de desvendar até de si próprio; e, em cada homem honesto, acumula-se um número bastante considerável de coisas do gênero. E acontece até o seguinte: quanto mais honesto é o homem, mais coisas assim ele possui. Pelo menos, eu mesmo só recentemente me decidi a lembrar as minhas aventuras passadas e, até hoje, sempre as contornei com alguma inquietação. Mas agora, que não lembro apenas, mas até mesmo resolvi anotar, agora quero justamente verificar: é possível ser absolutamente franco, pelo menos consigo mesmo, e não temer a verdade integral? Observarei a propósito: Heine afirma que uma autobiografia exata é quase impossível, e que uma pessoa falando de si mesma certamente há de mentir." 
in 'Memórias do Subsolo'


"O ser humano é tão apaixonado pelo sistema e pela conclusão abstrata, que é capaz de fazer-se de cego e surdo somente para justificar sua lógica.
 in 'Memórias do Subsolo'


"Ela não tardou a compreender que nós dois éramos seres diferentes, e que eu... era um enigma. Mas era isso precisamente o que eu queria, era isso o que eu procurava; parecer-lhe um enigma. Para obrigá-la a adivinhar este enigma, talvez eu não pudesse ter precedido mais estupidamente com ela do que precedi. [...] Eu estava sempre calado, sobretudo, quando estava ao seu lado, calava-me, até o dia de ontem. Por que me calava eu? Porque sou orgulhoso. Queria que ela me idolatrasse pela minha paixão... e era digno disso. Oh, eu sempre fui orgulhoso, sempre desejei tudo... ou nada! E precisamente por eu não querer uma miserável amostra de felicidade, mas uma felicidade completa." 
in 'Uma Doce Criatura'


Não, tenho uma vida apenas e nunca mais a terei, não quero, pois, esperar pela "felicidade universal". Quero viver por mim mesmo, se não é melhor não viver.
 in 'Crime e Castigo'
  

"Sou um homem ridículo. Agora já quase me têm por louco [...] Mas eu já não me aborreço por causa disso, agora já não guardo rancor a ninguém e gosto de toda a gente, ainda que se riam de mim... sim, senhor; agora, não sei por quê, mas sinto por todos os meus próximos uma ternura especial. Teria muito gosto em acompanhá-los no vosso riso... não precisamente nesse riso à minha custa, mas sim pelo carinho que me inspiram, se não me fizesse tanta pena vê-los." 
in 'O Sonho de Um Homem Ridículo'


"A tirania é um costume, possui a faculdade de desenvolver-se e degenera, finalmente, numa doença. E afirmo que o melhor dos homens pode embrutecer-se e embotar-se por efeito do hábito, até descer ao nível duma fera. O sangue e o poder embriagam, engendram o embrutecimento, a insensibilidade; tanto a inteligência como o sentimento acabam por achar isso natural e, por fim, aprazíveis as manifestações mais anormais. O homem e o cidadão morrem para sempre no tirano; é-lhe quase impossível regressar à dignidade humana, ao arrependimento, a uma nova vida. Além disso, o exemplo, a possibilidade de tal egoísmo faz aparecer também na sociedade um efeito nocivo: semelhante poder é sedutor. A sociedade que contempla com indiferença esse espetáculo está minada na base. Em resumo: o direito de impor castigos corporais, outorgado a um sobre o outro, é uma praga da sociedade, é um dos meios mais poderosos para aniquilar nela todo germe de civismo e a base completa para a sua dissolução inevitável e infalível."
 in 'Memórias da casa dos mortos'



"Eu chorava de verdade e, tendo aberto a segunda parte do romance, folhei-a ao acaso, procurando adivinhar algum sentido nas frases soltas, que lia de quando em quando. Era como se quisesse adivinhar o futuro, abrindo o livro ao acaso. Há momentos em que todas as forças da mente e da alma, numa tensão doentia, como que se inflamam com a chama brilhante da consciência, e então algo profético surge em sonho à alma abalada, que parece enlanguescida com o pressentimento do futuro, experimentando-o antecipadamente. E há uma grande vontade de viver, todo o nosso ser pede para viver, e, inflamado com a esperança mais ardente, mais cega, o nosso coração parece desafiar o futuro, com todo o seu mistério, com todo o desconhecido, ainda que em tempestades e tormentas, contanto que seja vida. O meu momento foi exatamente dessa natureza."
 in 'Niétotchka Niezvânova'

  
"Agora, perguntava-me de novo: amo-a? Ou melhor, respondi-me novamente, pela centésima vez, que a detestava. Sim, odiava-a! Havia momentos (sobretudo depois das nossas conversas) em que teria dado metade da minha vida para estrangula-la! Juro-o. Se tivesse sido possível, ainda há momentos, cravar-lhe no peito um punhal bem afiado, julgo que o teria empenhado de boa vontade."
in 'O Jogador'


"Sabe, por exemplo, que a amo até a demência, permite-me até falar-lhe da minha paixão, e naturalmente, não haveria um meio de expressar mais intensamente o seu desprezo por mim do que com esta permissão de lhe falar do meu amor, sem qualquer obstáculo ou contenção."
 in 'O Jogador'


"Tenta uma experiência e constrói um palácio. Equipa-o com mármore, quadros, 
ouro, pássaros do paraíso, jardins suspensos, todo o tipo de coisas…
E entra lá para dentro. Bem, pode ser que nunca mais desejasses sair de lá.
Talvez, de fato, nunca mais saísses de lá. Tudo está lá!
"Estou muito bem aqui sozinho!".
Mas, de repente — uma ninharia! O teu castelo é rodeado por muros,
e é-te dito: “Tudo isto é teu! Desfruta-o! Apenas não podes sair daqui!".
Então, creia-me, nesse mesmo instante quererás deixar esse teu
paraíso e pular por cima do muro. Ainda mais!
Todo esse luxo, toda essa plenitude, aumentará o teu sofrimento.
Sentir-te-ás insultado como resultado de todo esse luxo…
Sim, apenas uma coisa te falta: um pouco de liberdade!
Um pouco de liberdade e um pouco de liberdade."
in "O Movimento de Liberação"


"Acima de tudo, não minta para você mesmo. O homem que mente para ele mesmo e escuta sua própria mentira chega a um ponto que não sabe distinguir a verdade dentro dele ou ao redor dele, e então perde todo respeito por si mesmo e pelos outros. E não havendo respeito ele desiste de amar."
 in 'Os Irmãos Karamazov'


"É isso: tudo está ao alcance do homem e tudo lhe escapa,
em virtude de sua covardia...
Já virou até axioma.
Coisa curiosa a observar-se: que é que os homens temem acima de tudo?
- O que for capaz de mudar-lhes os hábitos: eis o que mais apavora...
Porém falo demasiado e, por isso, não faço nada.
Ou, talvez, devesse dizer que não faço nada porque falo muito.
Este mês, peguei a mania de monologar,
escondido durante dias inteiros, no meu canto,
imaginando... tolices."
 in Crime e castigo


Fiódor Mikhailovich Dostoiévski (1821-1881)


"Dostoiévski é o único psicólogo com quem tenho algo a aprender"
— disse o filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche.

2 comentários:

Wil Vaccari disse...

Minha citação predileta do maior escritor russo e do século 19 é:

"Sou doente... Sou ruim. Não tenho atrativos. Sofro do fígado, acho. Não entendo lhufas da minha doença e não sei com certeza o que me dói. Não me trato, nunca me tratei, mas respeito médicos e a medicina. E sou supersticioso ao extremo; o bastante para respeitar a medicina. (Tenho instrução suficiente para não ser supersticioso, mas sou.) Não, senhores, se não quero me tratar é de raiva. Isso os senhores provavelmente não compreendem. Que assim seja, mas eu compreendo."

Roseli Colaneri disse...

Vaccari,

E temos também Dostoiévski em comum além de LvB! Difícil encontrar pessoas que compactuam desse gosto seleto pelo que há de melhor. Grata por seu comentário. Acrescentarei sua citação à minha postagem e vou receber isso como um convite para reler Memórias do Subsolo. Um abraço!

"Naturalmente não vos saberei explicar a quem exatamente farei mal, no presente caso, com a minha raiva; sei muito bem que não estarei a "pregar peças” nos médicos pelo fato de não me tratar com eles; sou o primeiro a reconhecer que, com tudo isto, só me prejudicarei a mim mesmo e a mais ninguém. Mas apesar de tudo, não me trato por uma questão de raiva. Se me dói o fígado, que doa ainda mais". *FMD*